quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Contos Infantis: O Alfaiate Perfeito

No dia em que o Henrique encontrou um dedal dourado, junto ao poço da casa que fica junto à passagem de nível, estava longe de imaginar que a sua vida ia mudar para sempre.


Henrique vivia num país chamado Gordistão, onde os seus habitantes, os Gurdus, tinham um peso substancialmente superior ao que hoje temos como cânone. Henrique era todavia, diferente. Tinha 13 anos, 1,65m e pesava 55 kg. Era aquilo que no Gordistão se poderia chamar de Aberração.

Desde sempre fora alvo de chacota…era sempre o mais rápido nas corridas e nunca se esforçava para ficar em último. Tinha imensos problemas em encontrar roupa para o seu tamanho, nunca nenhuma rapariga lhe dirigiu a palavra e para adensar a sua diferença era alérgico a doces.


Henrique passava os dias no seu quarto, sozinho, a imaginar-se a ser o último a cortar a meta nas corridas lá na escola. Imaginava-se no café da sua rua a pedir bolas de Berlim com creme e queques de chocolate e a receber um sorriso do pasteleiro ao invés do olhar franzido que recebia amiúde, sempre que pedia uma bolinha integral com queijo.


Mas naquele dia em que encontrou um dedal e o pôs no bolso, seguiu-se uma sequência de eventos no mínimo caricata:


• Enquanto espera que o comboio passasse, um sapo sem rumo estatelou-se contra as suas botas, pediu imensa desculpas, entregou-lhe um mapa e seguiu a cambalear.


• Dois melros discutiam gramática no ramo de uma oliveira, que tinha uma azeitona licenciada em Linguística Comparada.


• O comboio passou sem atrasos com os utentes satisfeitos.


O mapa que o sapo entregara a Henrique, continha direcções para o número 1 da Rua Balofa. A curiosidade de Henrique levou-o a estar no local assinalado com um X no mapa, três meses depois de o ter encontrado.


Havia apenas uma casa, mas a rua tinha números pares e impares do mesmo lado. Henrique bateu à porta e foi recebido por um Senhor de meia-idade, com lentes de contacto verdes, uma fita ao ombro e dois alfinetes de dama a fazer as vezes dos dentes da frente, que lhe conferiam um linguajar cicioso.


- Entra Henrique. Estava à tua espera. Foi difícil chegares a aqui?
- Não. Moro na rua paralela a esta. Respondeu
- Sabes por que estás aqui?
-Sim.
-Sabes quem sou eu?
-Sim.
-Estás preparado?
-Estou.

Nisto, o senhor ausenta-se por breves instantes e surge na sala com um fato de corte perfeito, com as exactas medidas do pré-adolescente. Henrique vestiu-o e desmaiou.


No dia seguinte, enquanto se deslocava para a escola, não sentiu os habituais olhares lancinantes, próprios de uma sociedade preconceituosa. Na pastelaria, decidiu-se por um pastel de nata e um bom bocado. O troco foi-lhe dado em caramelos e beneficiou de um sorriso cheio de cáries do pasteleiro. Na aula de Educação Física pela primeira vez foi último.

Henrique tinha sido bafejado pela sorte. Acontece que com o domínio das Telecomunicações o Alfaiate Perfeito teve acesso a um sem número de SMS’s enviados e chamadas inter-urbanas feitas por Henrique a um primo distante. O conteúdo das mensagens era de desespero e de alguma auto-destruição, pelo que o Alfaiate Perfeito resolveu mudar-lhe a vida ao colocar-lhe o dedal de ouro no seu caminho.

O resto do trabalho foi feito pelo sapo, que apenas tinha sido incumbido de entregar o mapa a Henrique. Mas já se sabe que não se pode confiar segredos a sapos. Acabam sempre por cometer inconfidências.


Quanto a Henrique teve uma vida feliz…Vivia agora na Jamaica, terra de velocistas e importador de doçaria tradicional portuguesa.

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